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Fazendo história em Itapeba

Povoado especial, que têm disposição para fazer acontecer

14/03/2025 às 19h51 Atualizada em 04/04/2025 às 20h37
Por: Vander Costa
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Em 2 de março de 2025, num domingo, me desloquei de Cotaxé, para ver de perto, parte do carnaval de Itapeba (Carnaita), sem muitas pretensões, como sempre acontece nesses casos, depois de ter sido convidado pelo amigo Ezequiel, que estava na equipe de segurança, com atuação durante os shows à noite, para principalmente, acompanhar o desfile do Bloco das Piranhas, que tem como coordenador, o Leonardo, que é uma figura de suma importância para a comunidade, que se torna Gabriele, nome de guerra, dentro do contexto da brincadeira de carnaval.

Passei boa parte da tarde conversando com moradores e visitantes daquela comunidade, tomei banho de rio, cheguei até adentrar na casa de um morador próximo à ponte, que não lembro mais o nome, no lado mais habitado daquele pequeno povoado, à margem do braço norte do Cricaré, onde pude prosear mais um pouco e tomar um cafezinho, que o povo nunca deixa de nos franquear. Só retornei a Cotaxé, por volta das 20h.

Depois de passar um tempo no rio, o Reginaldo, mais conhecido como Regis, nos levou até a sua casa, pois já estava aproximando do horário do desfile do bloco, do qual ele é também um dos organizadores. No cômodo dos fundos estavam várias peças de roupas, sapatos, produtos de maquiagem, doados pelos apoiadores da brincadeira, para serem utilizados pelos foliões, ou pelas “piranhas” de ocasião. De imediato, ele me convidou para participar. Aceitei o convite sem titubear, como sempre acontece em casos assim.

A Mila, irmã do Regis, esposa do Roberto Seresta, que não cheguei a conhecer desta vez, se encarregou de providenciar algumas roupas e sapatos de salto alto para eu experimentar. De repente, eu já estava dentro de um vestido branco, sanfonado, bastante justo ao corpo, que ela me ajudou a vestir.

Estourei uns dois pares daqueles sapatos, até conseguir aprumar sobre um deles e andar alguns trechos pela rua antes de iniciar o desfile, mas confesso que não aguentei por muito tempo, o que me fez descer do salto alto, bem antes do esperado. Acabei o substituindo por uma sapatilha mais leve e rasteirinha, parecida com a sapatilha da Cinderela.

Com essa brincadeira, fui levado a refletir, sobre os esforços que as mulheres no geral fazem para ficarem elegantes, atraentes e mesmo desejadas, pois colocar um vestido daquele no corpo não é nada fácil e equilibrar num salto avantajado como aquele, menos ainda.

Acredito, porém, que isso seria muito mais interessante se não houvesse toda uma pressão social, que nós homens não estamos sujeitos, já que pouco, ou nada é exigido de nós a este respeito.  Já as mulheres têm que estar sempre impecáveis, dentro da forma perfeita, que as levam até mesmo a morte, em tantos procedimentos cirúrgicos. O Brasil fica atrás apenas do Estados Unidos em cirurgias plásticas, destas, a lipoaspiração, que é um processo violentíssimo, é a mais realizada em nosso país.

Uma outra coisa importante é ver o carnaval como uma manifestação popular libertadora, quando pessoas se permitem realizar suas fantasias, homens travestem de mulheres e vice-versa em espaços públicos, por exemplo, sem maiores problemas, até porque tem ainda aquelas e aqueles moralistas, que não admitem nem mesmo neste período, quando na verdade poderia ser uma prática cotidiana, sem as reações, que sabemos muito bem como é.

Este é um momento para refletirmos também sobre as formas de violência sofrida pelos ditos grupos minoritários da sociedade - prostitutas, negros, mulheres (a misoginia é um fato), população LGBTQIA+ - inclusive com as práticas que os folclorizam, através de brincadeiras, que de brincadeira não tem nada.

O que não faltam são personagens para reforçar os estigmas, da “bicha louca”, do “crioulo doido, da “mulher ordinária”, das “histéricas”, que os humilham e ridicularizam, somado a outro preconceito, que diz respeito a classe social, que as pessoas destes grupos venham a pertencer. Sendo pobre, a coisa tende a piorar.

Foi um momento para conversarmos sobre outras questões. Repassei ao Regis, logo após ter retornado a Cotaxé, já que ele manifestou interesse, os arquivos do livro “Massacre em Ecoporanga”, de Luzimar Nogueira Dias e da tese, “Movimento Camponês e Camponês em Movimento (Estudo histórico da violência na frente pioneira do Noroeste do Espírito Santo: 1950-1960)”, do professor aposentado Luiz Noburu Muramatsu, que fez parte do Departamento do Ciências Sociais da UFES. As obras citadas, falam do massacre de camponeses na Fazenda Rezende, que ficava no entorno de Itapeba.

São vários elementos que me levam a participar de uma brincadeira desta, com a maior radicalidade possível. Fico imaginando as tantas dificuldades, população reduzida para criar um bloco, falta de músicos, de instrumentos. Os foliões se valem de um som mecânico transportado num pequeno veículo. A coisa realmente é feita na cara e a coragem. Por tudo isso, a comunidade de Itapeba merece todo nosso reconhecimento e respeito e o mínimo que podemos fazer é estar presente, apoiar e fortalecer o que já existe por lá e resiste em permanecer.

Ao final fiquei em 5ª lugar entre as piranhas, na indicação feita por uma pessoa indicada pelos organizadores da brincadeira, sem maiores exigências. Isso me garantiu a grana para pagar o combustível do deslocamento e me deu direito à fala sobre o palanque, ao lado do Clube Rio do Norte, administrado pelo Tuti. Este é um espaço bem importante, amplo, que dá para fazer diversas atividades socioculturais.

Na presença do prefeito Zé Luiz, da primeira dama Edir, da chefe de gabinete Rosi Oliveira e outras autoridades, aproveitei a oportunidade para dizer em alto e bom som, as palavras que mais ecoaram Brasil afora neste carnaval: sem anistia para golpistas!

Após este ato, me dei por satisfeito e pude voltar tranquilo para meu Cotaxé, depois de uma passagem surpreendente pela nossa querida Itapeba, que superou todas as minhas expectativas e já conta como mais uma daquelas histórias interessantes, que faço questão de registrar e mais do que isso, dar continuidade, através da nossa prática cotidiana, cidadã e militante, juntamente com os amigos e amigas, desse povoado tão especial, que têm disposição para fazer acontecer.

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gilson soares Há 1 mês Vila Velha Muito bom. Parabéns, Vander e Portal Ecoporanga.
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Sobre o blog/coluna
Vander Antônio Costa é bacharel-licenciado em filosofia pela Ufes. Publicou seis livros autorais. Um destes está disponível na internet, “Bota Fé”, que fala sobre seu álbum musical, com mesmo título. Organizou o livro “Palavras do Cotaxé”, com vários autores e autoras. Coordenou a realização dos seis Seminários das Humanidades em Cotaxé, onde foi criado um Ponto de Memória em 2021, através de edital da Secult-ES.


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