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A pujança de um baluarte da cultura popular

Senhor João Miguel Pereira, ou simplesmente João Miguel, o criador da manifestação folclórica Roubada da Bandeira no distrito de Prata dos Baianos

04/04/2025 às 20h31 Atualizada em 15/04/2025 às 19h32
Por: Vander Costa
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Mestre João Miguel (Foto: Roberto Carlos Da Silva/Proibida a Reprodução)
Mestre João Miguel (Foto: Roberto Carlos Da Silva/Proibida a Reprodução)

Se tem uma pessoa que me chama muito atenção aqui em nosso município é o senhor João Miguel Pereira, ou simplesmente João Miguel, como é conhecido por todos e todas, que está para completar 108 anos, em 24 de junho de 2025. Ele, juntamente com alguns familiares, é o criador da manifestação folclórica Roubada da Bandeira no distrito de Prata dos Baianos, que é uma grande festa, com muita comida, quentão, refrigerantes, danças, cantorias, rezas, procissão, fogos, encenação e muito calor humano.

Para além da Roubada da Bandeira, eu quero falar um pouco mais sobre a força, a longevidade, os hábitos, a origem, os familiares, os modos de vida do senhor João, que nasceu em 24/06/1917, no Córrego do Engenho, em Teófilo Otoni. A maior parte das informações aqui contidas, foram dados pelo seu neto Elizeu Quintino, numa dessas minhas idas a sua casa, quando tenho me encontrando também com a Luciana, sua esposa e a Maria Vitória, sua filha mais nova, que sempre me recebem, com muita cortesia. A filha mais velha do casal é a Maria Júlia.

Aos 12 anos de idade, ele veio morar na Barra da Prata, que fica no entorno do distrito. Ele trabalhou na roça até os 85 anos, abrindo matas e também cultivando a chamada lavoura branca, arroz, feijão, milho, amendoim, mandioca. Entre os anos 30 e 70, chegou a ter 16 alqueires de terra, que foram vendidos com o objetivo de ir morar em Mato Grosso, o que acabou não dando certo, em função da proibição dos transportes feitos nos tais “paus de arara”, muito utilizado na época, o que fez com que se mantivesse no distrito, juntamente com sua família.

A mãe do senhor João, dona Ana, era rezadeira de terço. Outras pessoas mais antigas, faziam o hasteamento da bandeira nos dias santos. No caso específico do senhor João, ele hasteava a bandeira no dia de seu aniversário, dia de São João.

A cultura da Roubada da Bandeira, no distrito da Prata, surge quando seu enteado, José Quintino, nosso saudoso Bisogue, juntamente com Júlia, mãe do Elizeu, decidem pegar a bandeira, entregar a outras pessoas, entre as quais o senhor Beijo Miguel (já falecido) e o senhor Zé Peca, que atualmente mora no Assentamento Miragem. Isso a uns 40 anos atrás, quando a brincadeira ganhou o formato atual. Indico o documentário, sobre a Roubada da Bandeira, que pode ser acessado através deste link: https://www.youtube.com/watch?v=RzzUY5m2Nvo&t=650s (2005), dirigido pelo amigo Apoena Medeiros.

O primeiro casamento do senhor João foi com a senhora Maria Aleixo, que era viúva e acabou falecendo ainda bem nova, deixando um casal de filhos, a Guilhermina, ou Guili, e o Joaquim Aleixo, e ele viúvo, pela primeira vez. Neste casamento, o senhor João, não teve nenhum filho, ou filha.

Depois ele se casou com a dona Luzia, que já tinha dois filhos, Laíde e José Quintino. Com dona Luzia ele teve a Júlia, sua filha primogênita, e demais filhos, Eva, Maria de Lourdes e Levy. Em 2012 a dona Luzia faleceu e aos 98 anos o senhor João casou novamente com a terceira viúva, dona Elvira, que faleceu quando o senhor João estava com 103 anos, deixando-o, viúvo pela terceira vez.

No mesmo ano em que casou com dona Elvira, ele sofreu uma queda ao passar num ressalto dentro de casa, ao carregar uma mesa pesada com outra pessoa, o que lhe fraturou várias costelas. O tratamento feito com antibióticos lhe ocasionou insuficiência renal, quando ficou internado por 7 dias num hospital em São Mateus, porém, no 5º dia de internação, os seus rins já estavam funcionando normalmente.

Este mineiro, capixaba de coração, também não ficou livre da epidemia da Covid-19, quando foi contaminado por duas vezes, na primeira ele se manteve em casa e já na segunda, ficou por quatro dias internados.

Aos 105 anos, sofreu uma queda da cama, o que lhe causou múltiplas fraturas na coluna e na costela e em função da idade bastante elevada, não havia a menor condição de lhe fazer cirurgia. Este acidente causou paralisação de seu intestino, tendo que fazer uso de alimentação pastosa, ministrada através de seringa.  Quando recebeu alta, saiu do hospital com apoio de um Colete Putti. Acreditava-se até que ele não ia mais andar e mais uma vez ele surpreende a todos e todas. Em 30 dias, já estava ficando de pé e se alimentando sozinho.

No ano passado, ele teve a sua próstata aumentada e foi obrigado a usar sonda por 40 dias, quando a previsão dos especialistas era de 6 meses. Há aproximadamente 25 anos, numa pescaria, o seu filho Levy (Sonêga) de uma margem do rio para outra, arremessou um peixe, para o senhor João recolher, mas acidentalmente, acabou o acertando em seu olho esquerdo, gerando deslocamento ocular do globo, levando-o, a perder esta vista. Comparando com outros ocorridos, esta situação fica até parecendo irrelevante.    

Mesmo com toda a força, resiliência e capacidade de superação, demonstrada em tantos momentos difíceis, o senhor João foi trazido da Prata para morar com sua filha Júlia, em Ecoporanga sede, em 2020, logo após o falecimento da dona Elvira, pois não dava mais para deixá-lo sozinho em sua casa na Prata.

Mas aqui é imprescindível falarmos sobre o segredo da força e da longevidade do nosso homenageado. Além de gostar muito de festas, a sua alimentação é tradicional, arroz, feijão, farinha, banana, batata doce, peixe, café de melado, mandioca. Tudo isso é complementado por uma boa cachaça, apreciada com moderação, até os dias atuais. Por muito tempo, as carnes que consumia, na maior parte, eram de animais de caça e pesca.

Pessoa de muitos amigos, sendo um ótimo pai, avô, vizinho... Independente da temperatura, o senhor João só trabalhava sem camisa, ou melhor, amarrada à cintura. Isso é sinal que os raios de sol, mesmo aqueles mais danosos à nossa saúde, nunca foram problemas para ele. Coisa que não recomendo a outros simples mortais.

Sabemos que a Roubada da Bandeira depende muito da forte presença do senhor João, ainda que toda a família e a comunidade inteira se empenhem em realizá-la, o que nos faz indagar da sua possibilidade, quando ele não estiver mais conosco. Por isso, mais uma vez, é imprescindível estruturarmos uma política pública de cultura em nosso município, para que manifestações culturais como estas não fiquem dependendo de uma pessoa diferenciada, ou mesmo da comunidade, para continuar existindo.

Em reconhecimento, o senhor João recebeu o título de Cidadão Ecoporanguense, conferido pela Câmara Municipal e Mestre do Folclore Capixaba, porém, muito mais deve ser feito em se tratando de um baluarte da cultura popular. Portanto, não é nenhum exagero construir um monumento em sua homenagem na Prata dos Baianos, em local estratégico, para continuar impulsionando manifestação tão bonita, que deve ser celebrada sempre, mesmo quando ele não estiver mais presente em sua forma física, pois a sua memória deverá ser sempre reverenciada e honrada por todos nós.

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Everaldo Francisco Costa Há 2 semanas Vitória ES Parabéns, Vander Costa por sua iniciativa em homenagear Seu João! Parabéns ao Seu João por sua contribuição à nossa cultura em Ecoporanga.
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Memórias e Provocações
Sobre o blog/coluna
Vander Antônio Costa é bacharel-licenciado em filosofia pela Ufes. Publicou seis livros autorais. Um destes está disponível na internet, “Bota Fé”, que fala sobre seu álbum musical, com mesmo título. Organizou o livro “Palavras do Cotaxé”, com vários autores e autoras. Coordenou a realização dos seis Seminários das Humanidades em Cotaxé, onde foi criado um Ponto de Memória em 2021, através de edital da Secult-ES.


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