Em 24 de janeiro de 2025, numa sexta-feira de manhã, parti em direção à casa do Dimar, que fica depois de Muritiba, para buscar o carneiro que ele nos doou como prêmio principal do nosso 5º e último bingo, para ajudar nas despesas do Boi Janeiro.
Porém, fui sem contar com a presença do amigo Curubinha, que não pôde nos acompanhar, em função de outros compromissos, o que não deixou de ser um grande desfalque, em função da sua prática em missões como esta.
Um pouco antes das 10h, cheguei no local, conforme o combinado, porém só encontrei com a mãe do nosso amigo, dona Nita, que não soube dizer onde ele se encontrava. Entre uma prosa e outra, enquanto fui tomando um cafezinho e comendo um chimango, ela tentou localizá-lo de todas as formas, sem obter êxito.
Depois de esperar bastante, pedi a ela que me desse as coordenadas para chegar até a Fazenda Vitória, do senhor Jair, que fica a 14 km de Vila Pereira, distrito pertencente a Nanuque-MG, de onde sairia o carneiro para ser sorteado naquele mesmo dia, à noite, por volta das 19h.
Ao chegar no local, o senhor Jair me informou que não tinha nada ainda fechado e não havia qualquer autorização para me entregar o animal, algo bastante compreensível. Naquele momento só me restou a alternativa de retornar a Cotaxé, certo de que o bingo tão divulgado na comunidade não seria feito, como estava programado.
Assim que cheguei no bar do Ton Ton, um pouco depois das 13h, me deparei com o então desaparecido, acompanhado pelo jovem Júnior, seu piloto particular. Nisso, ele me explicou que saiu no dia anterior de moto para tomar umas e outras e acabou nesta brincadeira varando toda à noite, sem ter parado, até aquele momento.
Contudo me disse que estava preocupado com a situação, porque compromisso é compromisso. O Júnior, seu fiel escudeiro, inclusive reforçou, que ele não parava de falar do assunto enquanto tomava as suas brejas. Rapidamente nos entendemos e pegamos juntos, dentro do meu Celtinha, o caminho de volta à Fazenda Vitória.
Foi feito o acerto com o senhor Jair e retornamos com o carneiro no porta-malas do carro - forrado por um tapete velho – muito mal amarrado pelo Júnior, que sendo piloto de moto, evitou a chapação, mas nem por isso deixou de ser um amador para este tipo de serviço, assim como eu, que o ajudei na empreitada.
Retornamos ao bar do Ton Ton felizes da vida, com a galera no entorno também contagiada pela nossa empolgação. Tratamos de levar o carneiro, em seguida, até uma das vigas na parte externa do bar, para amarrá-lo. Neste momento ele estava seguro somente pelas patas traseiras, com duas laçadas, uma de cada lado, ao invés de uns nós cegos, porque as patas dianteiras já haviam soltado.
O Ton Ton nos orientou, porém, deixá-lo amarrado no poste, logo à frente. Mas aí veio o problema de sua espessura, o tamanho da corda e a bateção do carneiro, fazendo-o ficar seguro somente por umas das patas. O Júnior que estava o segurando caiu e soltou de vez a corda, que estava em suas mãos.
O animal saiu com aquela corda arrastando pelo chão e na medida que eu ia me aproximando dele, ele aumentava a velocidade, como se estivesse fugindo do próprio destino.
Cheguei a fazer um apelo, gritando desesperadamente, para que as pessoas que estavam na calçada do bar do Rui e da mercearia do senhor Juvenal Patez, o Nás, em sua maioria tomando uma cervejinha de boa, outras sentadas e transitando pela praça, nos ajudassem a cercar o bicho.
Mas o apelo foi totalmente em vão, ninguém ali estava a fim de participar de uma missão impossível daquela, no máximo assistir aquele espetáculo ridículo de camarote. E o povo estava certo. Só eu mesmo e o Júnior para acreditar em algo absurdo, resgatar aquele bicho, de uns 25 quilos, à mão.
Cheguei num determinado momento ficar de frente com ele, quando imaginei que ia conseguir agarrá-lo pelo pescoço, mas ele passou tão embalado no canto da rua, que não consegui nem triscá-lo e logo adiante, a corda que estava amarrada somente em uma de suas patas, se desprendeu também.
A partir dali o Júnior se encarregou de segui-lo em disparada, quando o animal, assim que saiu do perímetro urbano, se jogou no meio do pasto da propriedade do Serrão e o nosso amigo que também não desistia tão fácil continuou correndo atrás dele por um bom tempo, segundo o que ele me relatou depois, até não aguentar mais.
Quando perdi o animal e o Júnior de vista, apareceu o Sussula de moto para ajudar. Montei na garupa dele e o pedi para tocar em direção a Muritiba, imaginando que o carneiro pudesse voltar pelo mesmo caminho por onde veio, como se ele o gravasse, mesmo sendo transportado dentro de um veículo fechado, ou seguisse através do próprio cheiro, por onde passamos pouco antes.
Por mais absurdo que fosse o meu pedido, o Sussula o atendeu, talvez muito mais pelo seu espírito de solidariedade. De fato, ele é uma pessoa muito solícita e gentil. Percorremos uma boa distância, sem enxergar qualquer pegada do bicho pela estrada, até nos depararmos com um moço que vinha de carro em sentido contrário, que nos informou que não havia encontrado, obviamente, nenhum carneiro.
Até chegar a este ponto, as coisas estavam sendo tratadas com um certo equilíbrio de minha parte, mas depois que o carneiro sumiu e eu não consegui deslumbrar um único modo de resgatá-lo, depois de tanta trabalheira, a minha cólera foi inevitável por tudo que havia acontecido, o Curubinha que não pôde me acompanhar, justificadamente; o Ton Ton que nos orientou amarrar o animal no poste e; as pessoas que nem tentaram cercar o bicho.
Neste momento o Sussula percebeu que eu estava tremendo de ódio, o que ele me falou depois. Isso mesmo, ódio, muito ódio no coração, que despejei num falatório incontido, que o meu amigo teve paciência de ouvir, sem me contrariar em nada.
Em momentos assim, acabamos projetando nos outros as nossas frustações, ao invés de assumirmos a nossa inteira incompetência e limitações, o que não deixa de ser um mecanismo de autodefesa, que fazemos uso, muito inconscientemente.
No bar do Ton Ton, mais uma vez, reencontrei o Júnior todo sujo de lama, pois ele havia tomando uns dois tombos no meio do pasto, justamente naquele dia, que também foi de chuva.
Depois de tudo, ainda, topou ir comigo andar por aquela imensidão de pastagens para ver se encontrávamos o carneiro em algum lugar, para facilitar o trabalho do Ezim, vaqueiro do Serrão, que sob um fiozinho muito tênue de esperança contratei, sugerido pelo Ton Ton, para resgatar o animal, com o suporte de um cavalo.
Umas duas horas depois, o Ezim me enviou mensagem informando que não conseguiu encontrar o carneiro e que o seu cavalo já estava muito cansado e ele havia desistido da busca, o que me faz enviar mensagem pelo grupo de WhatsApp “Boi Janeiro”, cancelando de vez o bingo e pedindo que se transmitisse aos demais.
Nestas idas e voltas, o vaqueiro voltou a entrar em contato comigo pouco depois das 19 horas, com a foto do carneiro amarrado no chão, verdadeiramente resgatado, segundo ele, com apoio de seu filho num outro cavalo.
Conversando com um e outro, decidimos fazer o bingo naquela noite mesmo, remarcando-o através dos grupos de WhatsApp, que havíamos recorrido um pouco antes. Desta vez, sem abrir mão do Curubinha, que juntamente com a sua filha Fábia, as irmãs Gleicyane e Khatlleya, primas da primeira, tocamos para casa do Ezim. As adolescentes acabaram dando uma conotação de passeio àquele deslocamento.
Começamos a gritar o bingo por volta das 22 horas, que teve como ganhadora do prêmio principal, a Simone “Lora”, tia do Ton Ton, que o vendeu para o “Loro”, que não é parente de nenhum dos dois e também não é loiro, mas que se chama Lorisvaldo. Ele matou o bicho e o vendeu aos pedaços para alguns moradores.
No outro dia, passei na casa do Felipe, filho da nossa amiga Maria Elvira e acabei degustando um churrasco e entre as carnes servidas, estava também a do animalzinho, que havia nos dado tanto trabalho. Depois descobri, que as suas vísceras e os pezinhos foram parar na casa da dona Jacira, que mora em frente à minha, onde costumo tomar uns chazinhos de manhã, acompanhado de prosas pra lá de agradáveis.
Enfim, estamos falando de carneiro, de bingo, Boi Janeiro, acolhimentos, reviravoltas, relações pessoais, emoções extremas, situações dramáticas e também divertidas, conexões que vão sendo criadas e que perpassam toda a comunidade.
Não podemos esquecer, porém, do vaqueiro, figura muito expressiva em nossa região, que com a sua ciência, fez com que um caso dado por perdido, não se transformasse completamente num bode – que parecia ter se tornado aquele carneiro, personagem principal de nossa história – ao conseguir contornar uma situação dada como irreversível em vários momentos, num tempo tão curto.
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