Segunda, 07 de Julho de 2025
14°C 23°C
Ecoporanga, ES

Lendas do Cotaxé

Importante frisar que as lendas contadas, trazem a relação do distrito com a pedra

17/06/2025 às 19h51
Por: Vander Costa
Compartilhe:
A Pedra da Viúva no distrito de Cotaxé em Ecoporanga (Foto: Roberto Carlos Da Silva/Proibida Reprodução)
A Pedra da Viúva no distrito de Cotaxé em Ecoporanga (Foto: Roberto Carlos Da Silva/Proibida Reprodução)

Passado mais de um mês estamos de volta à nossa coluna. É assim mesmo. As vezes as coisas apertam, depois folgam um pouco e neste caso temos que aproveitar a oportunidade para dar continuidade a este trabalho que pretendo me dedicar ainda por um bom tempo.

A ideia de escrever sobre o tema em questão, lendas do Cotaxé, já vinha sendo pensada a algum tempo, mas ganhou força a partir da minha subida à Pedra da Viúva, na Sexta-Feira Santa, relatada no último texto nosso, publicado neste espaço.

E falando em Pedra da Viúva, que deu nome ao nosso distrito antes dele se chamar Cotaxé, está relacionada a duas lendas que vou relatar por aqui. O interessante é que em uma delas, se verifica continuidade, mesmo com a mudança ocorrida.

A que eu não tinha ciência até muito recentemente, foi contada pelo Josué, “Amor do Cotaxé. Nesta se coloca que o primeiro nome do distrito era uma homenagem a doadora da área, uma viúva, que teve por finalidade, realmente, criar um pequeno núcleo urbano.

Dizem que a sua propriedade acabava abarcando o entorno da nossa pedra famosa. Dentro do entendimento que esta também fazia parte de sua propriedade, nada mais apropriado que lhe dar o nome de Pedra da Viúva e que acabou sendo também do vilarejo recém-criado.

Como não temos maiores informações a respeito desta viúva, nome, período em que viveu, quando fez a doação, não nos resta outra alternativa senão tratar a questão, como mais uma de nossas lendas.

Mas vamos voltar à lenda mais conhecida, do casal de indígenas, que alguns chegam a dizer que moravam sobre a pedra e só desciam para buscar os recursos básicos de sobrevivência, água, alimentos, plantas medicinas e outros bens elementares.

Conta-se, porém, que num determinado momento, a indígena grávida e de desejo, pediu ao seu companheiro que lhe pegasse a fruta de um cacto, que alguns chamam de Ananás, destes que se encontram praticamente agarrados às rochas.

O indígena se dirigiu junto com ela a uma área de risco para pegar a fruta, que na verdade estava dentro de uma fenda na montanha voltada para o distrito, que o nosso amigo Juvenal Patez, o “Nás”, me mostrou, quando conversava com ele sobre o assunto em frente a sua mercearia.

E foi nessa que o indígena acabou sofrendo a queda fatal no precipício, deixando a sua companheira viúva e por consequência dando nome a pedra, Pedra da Viúva. Ela se chamava Cota e ele se chamava Xé. Na junção dos dois nomes temos Cotaxé.

Primeiro veio Pedra da Viúva, depois Cotaxé e mesmo assim o nosso distrito não perdeu sua relação com o casal indígena e muito menos com a pedra, algo muito forte e que, portanto, não se perde tão fácil ao fazer as adaptações necessárias e muito apropriadas.

Um outro detalhe importante nesta lenda é que para descer até a fenda, onde estava a fruta, o Xé se valeu de um cipó como se corda fosse, segurado pela Cota na parte de cima. Porém, o cipó foi se rompendo no atrito com a rocha, enquanto ele estava ainda pendurado.

Na eminência da tragédia, ela ainda o advertiu: “a corda corta Xé”, mas a esta altura não era mais possível ele retornar para a parte de cima e também não foi possível chegar até a parte de baixo em segurança e o pior acabou acontecendo.

Mas ao dizer, “a corda corta xé”, cria-se a junção Cortaxé, que é também a forma como muitos pronunciam a nome do nosso lugar. Neste caso, parece que a lenda passa por mais uma adaptação, para atender uma espécie de dialeto, linguajar local, que leva as pessoas a dizer: “vou lá no Cotaxé”, ao invés de “vou a Cotaxé”; “Neném de Cosme” à “Neném do Cosme”; “sou do Cotaxé” ao invés de “sou de Cotaxé”.

Isso não deixa de soar como algo próprio, autêntico, expressivo. Não é questão de saber ou não a norma culta da língua, porque mesmo se tendo um bom domínio desta, alguns preferem continuar expressando na forma que tem mais a ver com sua identidade cultural e neste caso faz mais sentido dizer: “lendas do Cotaxé”. 

Uma terceira lenda está no livro “Cartas Fantasmas” (2018), do nosso grande romancista Adilson Vilaça, no terceiro parágrafo, pág. 71 e que se segue por quase toda a seguinte, que Cotaxé veio das letras da palavra Texaco, extraídas dos dois galões de gasolina, utilizada para queimar o corpo do Udelino depois de morto em uma emboscada.

O comandante da tal operação teve uma ideia geniosa. Mandou cortar as letras da palavra Texaco e a partir de um tal anagrama se produziu a palavra Cotaxé (aqui houve apenas o acréscimo do acento agudo na última sílaba, que foi também retirado no corte das latas)

As duas placas produzidas com a palavra criada foram instaladas nas duas entradas do distrito para ensinar o novo nome, como forma de punição aos seus moradores, que tiveram de aprendê-lo na marra, na base da surra, do castigo, a que foram submetidos.

Por que isso não passa de lenda? Para começar, o Udelino não foi morto em tal emboscada e por isso nem carece falar do que se segue a partir disso. A dissertação do historiador Victor Augusto Lage Pena, “Os Posseiros de Cotaxé e o Movimento Udelinista: Conflitos de representação” (2016), traz duas fotos de Udelino, uma na redação do jornal Estado de Minas (1953) e outra na redação do Diário da Noite do Rio de Janeiro (1956). São registros feitos depois, ou bem depois do caso aventado.

O livro “O Contestado Capixaba” (2018), organizados pelos historiadores, Ueber José de Oliveira, Élio Ramires Garcia, Victor Augusto Lage Pena e Leonardo Zancheta Folleto ajuda também a elucidar este suposto fato, mais especificamente na pág. 73, quando diz: “após escapar do tiroteio em Santa Terezinha, no dia 26 de fevereiro, chegou à posse de Romualdo da Silva, foi por este levado até a casa de seu pai, Genuíno da Silva Gama, em São Geraldo do Baixio, distrito do município de Galiléia (MG)”. Isso quer dizer que Udelino conseguiu escapar ao cerco da polícia em 1953.

Vale ainda destacar que estas informações já se faziam presentes no livro “Massacre em Ecoporanga” (1984) do jornalista Luzimar Nogueira Dias, página 63, a partir do quarto parágrafo, tendo continuidade até o início da página seguinte.

Um aspecto importante a frisar é que as lendas contadas - com exceção desta que é relatada, ou criada pelo Adilson e assumida por ele como fato histórico, como pude testemunhar em certas ocasiões - trazem a relação do distrito com a pedra, sem esquecer daquela que coloca no centro o casal indígena

Devemos também nos atentar para o que as lendas procuram mostrar, mas também, o que elas parecem querer omitir, esconder, ou mesmo desvirtuar e aqui trago uma indagação muito pertinente do nosso amigo William Muqui. Por que o indígena foi tentar pegar a fruta para a sua companheira num local tão impróprio, tão arriscado?

Será que além do desejo de grávida não se tratava ali de fome, daqueles representantes de nossos povos nativos, que com suas terras usurpadas tiveram que buscar refúgios cada vez mais afastados, de difícil acesso, para escapar, ou ficar longe de seus algozes?

Que motivo leva alguém a arriscar a vida para conseguir alimento, como nesta descrição, ao descer num precipício agarrado a um cipó? Será que aqui não estamos falando de uma luta árdua pela sobrevivência?

Essas são perguntas que só podem ser feitas por alguém como o nosso camarada William, que sendo um marxista coerente com a sua trajetória de vida, as suas análises não deixam escapar a perspectiva histórica do confronto da luta de classes, que não pode ser evitada em situações extremas como essa do casal.

Faço ainda outra pergunta. Será que não temos outras questões para além destas, que a lenda tão interessante aponta, que colocam o nosso Cotaxé em outras relações diretas com os nossos povos originários?

Deixo esta e as outras perguntas como provocações, para que cada vez mais pessoas possam se debruçar sobre elas e assim possamos encontrar juntos as melhores respostas, que tem a ver com nossa ação política coletiva e organizada, ao tomarmos consciência de situações injustas, que precisam ser reparadas.

Não podemos ficar insensíveis com as mais variadas violências praticadas contra os nossos povos indígenas ao longo destes últimos 525 anos de nossa história e que tenhamos a capacidade de enxergar e compreender a realidade que as lendas acabam não explicitando, ou a explicitam de maneira falseada, criando factoides, vendidos como verdade.      

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
500 caracteres restantes.
Comentar
dante ixoHá 3 semanas Haslemerebom demais
Mostrar mais comentários
Memórias e Provocações
Sobre o blog/coluna
Vander Antônio Costa é bacharel-licenciado em filosofia pela Ufes. Publicou seis livros autorais. Um destes está disponível na internet, “Bota Fé”, que fala sobre seu álbum musical, com mesmo título. Organizou o livro “Palavras do Cotaxé”, com vários autores e autoras. Coordenou a realização dos seis Seminários das Humanidades em Cotaxé, onde foi criado um Ponto de Memória em 2021, através de edital da Secult-ES.


Ver notícias
Ecoporanga, ES
18°
Tempo nublado

Mín. 14° Máx. 23°

18° Sensação
1.83km/h Vento
74% Umidade
0% (0mm) Chance de chuva
06h15 Nascer do sol
05h20 Pôr do sol
Ter 24° 13°
Qua 25° 14°
Qui 22° 15°
Sex 25° 16°
Sáb 25° 16°
Atualizado às 20h03
Economia
Dólar
R$ 5,49 +1,26%
Euro
R$ 6,44 +0,90%
Peso Argentino
R$ 0,00 +0,00%
Bitcoin
R$ 628,737,96 +0,24%
Ibovespa
139,489,70 pts -1.26%
Lenium - Criar site de notícias